Dª Ophélia, canto e encanto...

 

A caiçara ubatubense Ophélia Prado de Oliveira Lopes, 78, nascida em 29 de fevereiro, é a caçula da prole de nove irmãos. Conhecida pela sua simpatia e voz embriagante, Ophélia está sempre envolvida em projetos que movimentam a vida social de seus colegas. Ela ajuda coordenar o bloco carnavalesco Recordar é Viver, serestas, participa de eventos escolares para contar fatos vividos por ela e uma sociedade que ficou apenas na recordação... Ela conta um pouco do que seus olhos viram e viveram...
Seu pai sempre batalhador, proporcionou-lhe uma vida simples, porém extremamente feliz! Desde os 9 anos de idade, ela já tocava violão. Dos irmãos, apenas o mais velho, o respeitado farmacêutico “Filhinho”, não se envolveu com a música. No decorrer de nossa conversa, muitos fatos se misturaram porém ela diz: “É justa minha saudade. Eu vi muitas coisas boas, Ubatuba e sua essência...”. Nos quintais, tinha pés de frutas que nem ouvimos falar nos dias de hoje, como, por exemplo: ubacupariu, abil, laranja serra d’água e tantas outras espécies. 
Lembra da ansiedade que tomava conta da cidade no dia em que o “estafeto” chegava com sua mala (de quinze em quinze dias, por que fazia a viajem a pé) para trazer jornais e cartas. Recorda do pai tomando chá na rede, enquanto sua mãe fazia os deveres de casa. Já na adolescência... suas irmãs estudavam em Santos. O navio aportava em alto-mar e elas todas com chapéus novos com uma florzinha do lado, luvas, meias de seda, eram acompanhadas por um cortejo de toda a cidade que à beira-mar despedia-se antecedendo a dor da saudade, pois elas embarcavam em março e só retornavam em junho para as férias. Quem as conduzia era os pescadores locais que as carregavam nos braços até as barcas que rumavam aos navios. E por falar em estudos, Ophélia diz que o ensino de antigamente, sem dúvida nenhuma, era muito mais aplicado do que nos dias de hoje e que, com apenas o ginásio completo, tinha-se muito mais estrutura educacional do que uma faculdade em pleno século XXI. 
A cidade era muito pequena e a praia do Cruzeiro, a Câmara Municipal eram lugares muito distantes do centro da cidade que movimentava-se na rua do Comércio, hoje Maria Alves, que não existia do calçadão em diante no sentido serra. Os passeios e paqueras eram realizados no Largo da Matriz, os famosos footting, onde os moços ficavam parados nos quatro pontos da praça e as meninas de braços dados andavam em forma de um X. Ali é que aconteciam as piscadelas e profundos olhares... até às 21h, quando o sino da cadeia, hoje Museu Histórico Municipal Washington de Oliveira, localizado na hoje praça Nóbrega, tocava avisando que era o momento do recolhimento e as lamparinas da cidade eram apagadas. A cidade tinha cerca de apenas 30 famílias e todos sabiam de tudo que acontecia. Mas quando chegou sua vez de estudar fora... Já em Taubaté, cursando o ginásio, ela foi a primeira cantora da rádio da cidade; mas, com muito medo que seu pai descobrisse, usava o pseudônimo de Nádia. Ela diz que todos os homens da época compunham valsas e faziam serenatas, pois esta era a forma de declarar o seu amor... ou amizade. 
Ela tem saudade também da época em que cantavam missas solenes em latim. Sua vida sempre foi cantar e com certeza nos encantar. Ela diz que a música “leva e trás”, como o movimento da própria respiração. Já cantou com Agnaldo Rayol a convite dele e já fez muitos chorarem ou sorrirem com sua voz. Já vivenciou muitas coisas como, por exemplo, quando teve uma úlcera. Ela foi a primeira paciente do Brasil a receber anestesia local pelas mãos do dr. Cembranelli, em Taubaté, em 1.949. Lembra também quando tinha seus 14 anos e comemorava-se o terceiro centenário de Padre José de Anchieta, em 1937, e seu irmão, o prof. Ernesto, compôs o hino de Ubatuba, que chama-se “Hino de Anchieta”.
Hoje Ophélia tem cinco filhos, dez netos e três bisnetos e diz ser muito amada e que não tem presente melhor na vida. 
Suas cordas vocais encontram-se em plena forma, para nossa sorte! Se eu fosse escrever um pouco de fato de suas recordações era melhor me preparar para um grosso livro e com muitas edições.